domingo, 18 de novembro de 2012

Sistema Penitenciário, Sociedade e Ressocialização

O texto que segue escrevi por sugestão da Priscylla Knopp. Foi ótimo para relembrar que algumas coisas no Direito ainda me dão vontade de estudar. Foi publicado no blog dela (Um Olhar à Esquerda): 
http://umolharaesquerda.wordpress.com/2012/11/18/ressocializacao/


Segue o que escrevi:


Dentre os inúmeros problemas que o Brasil atravessa, temos a questão do sistema penitenciário e da ressocialização dos egressos desse sistema.

Quando se estuda, em teoria, os sistemas punitivos do nosso Direito Penal, este parece ser organizado e bom o suficiente para diminuir a criminalidade e tornar a vida de presidiários ao menos digna de ser chamada de vida. Entretanto, nada está mais distante da realidade. O que se vê são cadeias lotadas, péssima qualidade de existência e praticamente nada de ressocialização. São verdadeiras escolas de criminosos. 

Tanto isso é verdade que de 1995 para 2009, a população carcerária aumentou 318%, não acompanhando o aumento da população: de 95 presos para cada 100.000 habitantes em 1995 passou para 246 presos para cada 100.000 habitantes em 2009. Os números são alarmantes. E demonstram claramente que algo está muito errado nisso tudo. 

Além disso, quem de fato é preso no Brasil? Fala-se muito em impunidade, mas a verdade é que para os setores mais pobres, esta não existe nem de longe. Só há impunidade para quem tem dinheiro para pagar por ela. O que superlota as prisões, em geral, são crimes contra o patrimônio, notadamente furtos e roubos. Trata-se de uma grande massa de jovens negros e pobres, moradores de favelas e periferias. Estes é que são presos no Brasil. 

É por isso que se diz que prisão é escola para criminosos. O sujeito rouba uma galinha porque sua família está passando fome e fica anos preso por isso. É claro que, em contato com diversos outros "criminosos", ele aprenderá diversas "técnicas" e "aprimorará" seus crimes. 

Isso se torna ainda mais grave quando pensamos em ressocialização. O sujeito cumpriu sua pena. Muito bom. Sai da prisão. Vai procurar um emprego e não consegue por ser egresso do sistema penitenciário. A função punitiva pertence ao Estado e não à população por alguns motivos. Entre eles está a necessidade de se evitar a vingança privada, por exemplo. 

Mas é ilusão acreditar que a função punitiva está restrita ao Estado. Isso fica claro no exemplo citado acima. O sujeito não consegue emprego. Cumpriu sua pena, mas continua sendo punido. E, muitas vezes, por um crime que nem oferecia perigo social. Aí o sujeito vai voltar para o “mundo do crime”. É quase um ciclo. 

Já dizia Cesare Beccaria, em 1764 (!), que “só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador”. Isso significa que a população não tem o direito e de agravar a pena do sujeito. Como queremos diminuir a criminalidade se não damos sequer uma chance do sujeito se reerguer e recomeçar sua vida de forma digna?

Como já disse Marcelo Freixo, deputado estadual do Rio de Janeiro, a prisão é uma pena de morte social. O criminoso fica condenado a receber essa alcunha pelo resto de sua vida.

Prova cabal de que o sistema penitenciário está longe de ser o ideal é ter que ouvir do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em pessoa, que preferia morrer a ser preso no Brasil. Precisa de mais? O problema maior não é o referido Ministro fazer esse tipo de afirmação, mas fazê-lo e ainda assim não buscar real solução para o problema. Aumentar vagas ou aumentar o número de presídios nitidamente é solução paliativa. É fácil cruzar os braços quando não se corre grandes riscos de ser preso. Afinal, quem vai pra cadeia no Brasil é negro e pobre. Prova disso é toda a comoção diante do julgamento do mensalão. Se fosse corriqueiro ricos serem presos, o país não estaria tão impressionado com a coisa toda.

Por fim, vale citar novamente Beccaria:

Entre os romanos, quantos cidadãos não vemos, acusados anteriormente de crimes hediondos, mas em seguida reconhecidos inocentes, receberem da veneração do povo os primeiros cargos do Estado? Porque é tão diferente, em nossos dias, a sorte de um inocente preso?
É porque o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a ideia da força e do poder, em lugar da justiça; é porque se lançam, indistintamente, na mesma masmorra, o inocente suspeito e o criminoso convicto; é porque a prisão, entre nós, é antes um suplício que um meio de deter um acusado.


Vale ressaltar que essas afirmações foram feitas no séc. XVIII e ainda hoje podem ser consideradas atuais. É necessário que mudanças sejam promovidas. E é impossível pensar mudanças apenas de cima para baixo. A mudança deve ser de cada um. Mudança de consciência e de cultura. Todos precisamos abrir os olhos aos problemas citados. Eu sou mulher, branca, de classe média, estudante. Definitivamente não me encaixo no “perfil” dos presos. Provavelmente você que está lendo isso também não. Mas estamos falando de seres humanos como nós que merecem ser tratados como tais.

Isso sem falar na responsabilidade que a sociedade como um todo tem por esses sujeitos. Mas esse seria um assunto para outro texto. Então melhor terminar por aqui.



Inspirações:

Livro Dos Delitos e Das Penas, de Cesare Beccaria.

Vídeo “A Prisão é para quem?”, com discurso do deputado estadual do RJ, Marcelo Freixo, no plenário da Alerj em 14 de Novembro de 2012. http://www.youtube.com/watch?v=o-7S8DUbbKk&feature=plcp

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